quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A TEORIA DO CONHECIMENTO


Popper denominou de “teoria do balde mental” a concepção de que nosso conhecimento consiste de percepções acumuladas ou percepções assimiladas, separadas e classificadas. Aristóteles já afirmara que nada há no intelecto humano que antes não tenha estado nos órgãos dos sentidos. Anteriormente, os atomistas gregos admitiram que os átomos que se desprendiam dos objetos, entrando nos órgãos do sentido, convertiam-se em sensações; com o passar do tempo, o conhecimento era determinado como um quebra-cabeças que se montava a si próprio.

“De acordo com essa concepção, assim, nossa mente se assemelha a uma vasilha – uma espécie de balde – em que percepções e conhecimento se acumulam” (Popper, 1975, p. 313). Os acessos ao balde são propiciados pelos órgãos dos sentidos. Os empiristas radicais aconselham que interfiramos o mínimo possível com o processo de acumulação do conhecimento. O conhecimento verdadeiro é conhecimento puro, livre dos preconceitos que tendemos a agregar às percepções. Bacon aconselhava um processo de depuração mental para afastar os “quatro ídolos” (Bacon, 1984) - preconceitos que habitam a mente humana e a obscurecem - e assim o sujeito tornar-se-ia uma criança, uma tábula rasa diante da natureza. Kant (1987) negou que as percepções possam ser puras e afirmou que os nossos conhecimentos são uma combinação de percepções com ingredientes adicionados pelas nossas mentes - as formas da sensibilidade e do entendimento -, se afastando então do empirismo radical.

Popper assevera que a “teoria do balde” está equivocada pois o que realmente importa ao conhecimento científico é a observação. “Uma observação é uma percepção, mas uma percepção que é planejada e preparada” (Popper, 1975, p. 314). Ela é antecedida por um problema, por algo que nos interessa, por algo que é especulativo ou teórico. Para planejarmos o que observar temos que ter anteriormente uma hipótese, conjectura ou teoria que nos oriente a selecionar as percepções pretensamente relevantes à solução do problema. Não é possível observar tudo e, portanto, as observações são sempre seletivas.

Os seres vivos, mesmo os mais primitivos, respondem a certos estímulos, mas não a qualquer estímulo. O número de respostas é limitado, determinado por um conjunto inato de disposições a reagir. As respostas dependem do estado interno do organismo; este pode permanecer constante com o tempo ou pode se alterar talvez em parte sob influência das sensações. A aprendizagem pela experiência é uma mudança na disposição para reagir não decorrente apenas do desenvolvimento do organismo – maturação – mas também das mudanças de seu ambiente externo. A noção de aprendizagem está intimamente ligada à noção de expectativa e também de expectativa desiludida. Uma expectativa é uma disposição para reagir, ou “um preparativo para a reação, que se adapta (ou que antecipa) a um estado do ambiente ainda por vir” (Popper, 1975, p. 316). Nem todas as expectativas são conscientes, como bem demonstra o exemplo do encontro inesperado de um degrau no final de uma escada; o inesperado do degrau poderá nos obrigar à conscientização de que estávamos à espera de uma superfície plana. A desilusão nos força a alterar o sistema de expectativas. Popper considera que a aprendizagem pela experiência consiste basicamente em correções nas expectativas a partir das expectativas desiludidas. Uma observação necessariamente pressupõe um sistema de expectativas que até podem ser formuladas explicitamente. A observação será utilizada para confirmá-las ou refutá-las e então corrigi-las. As expectativas dos cientistas consistem “em considerável extensão de teorias ou hipóteses formuladas lingüisticamente” (Popper, 1975, p. 317). A “teoria do balde” supunha que as hipóteses surgiam a partir das observações. De acordo com a teoria de Popper, por ele denominada “teoria do holofote”, as observações são secundárias às hipóteses, teorias, expectativas. É com nossas hipóteses que “aprendemos que tipos de observações devemos fazer: para onde devemos dirigir nossa atenção; onde ter um interesse” (Popper, 1975, p. 318). Elas são nossos guias que iluminam a realidade, nos indicando para onde dirigir a atenção.

A existência de um problema é o ponto de partida para a aprendizagem nos seres vivos de um modo geral. Em verdade, para Popper, o conhecimento humano cresce por um processo que é de tentativa e eliminação de erro. Os seres vivos estão empenhados em resolver problemas, sendo os mais prementes os da sobrevivência. A mutação (tentativa) e a seleção natural (eliminação de erro) determina que os seres vivos tenham órgãos e comportamentos que lhes possibilitam resolvê-los; assim as características de um organismo vivo podem ser vistas como soluções dos problemas de sobrevivência. Nesse nível as tentativas (mutações) são ao acaso e inconscientes. As tentativas mal sucedidas são eliminadas por seleção natural. As tentativas bem sucedidas sobrevivem com o organismo; entretanto, a sobrevivência passada não garante a sobrevivência no futuro pois, se houver, por exemplo, uma mudança no ambiente, o ser vivo poderá não estar adaptado.

"Desde a ameba até Einstein, o crescimento do conhecimento é sempre o mesmo: tentamos resolver nossos problemas e obter, por um processo de eliminação, algo que se aproxime da adequação em nossas soluções experimentais" (Popper, 1975, p. 239).

A diferença entre a ameba e Einstein está nas suas atitudes em relação ao erro. Diversamente da ameba, Einstein tentou o melhor que pôde, cada vez que lhe surgia uma solução, mostrá-la falha e descobrir um erro: ele tratava criticamente as suas soluções. A ameba, se tiver uma solução errada, será muito provavelmente eliminada junto com ela. “Podemos portanto dizer que o método crítico ou racional consiste em deixar que nossas hipóteses morram em vez de nós” (Popper, 1975, p. 227). A aquisição de um novo conhecimento “desenvolve-se sempre como resultado da modificação de conhecimentos prévios” (Popper, 1987a, p. 33). O ponto de partida deste processo é os conhecidos inatos, determinados geneticamente. “O que há de especial no conhecimento humano é que ele pode formular-se na linguagem, em proposições” (Popper, 1987a, p. 33). Assim ele se torna comunicável, objetivo, acessível a outros seres humanos e criticável. A linguagem é o veículo através do qual podemos nos apropriar do conhecimento produzido pelos outros.

As mais importantes criações humanas, que possibilitaram a existência do conhecimento objetivo, de um modo geral e do conhecimento científico em particular, são as funções superiores da linguagem: a função descritiva e a função argumentativa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário